À medida que foi sendo abandonada a pesca tradicional, questão indissociável da grande pressão que tem sido exercida pelas grandes cadeias de distribuição alimentar, a pesca passou a ser cada vez mais intensiva e industrial, recorrendo a embarcações de grande porte, dotadas de alta tecnologia, conduzindo rapidamente ao esgotamento do stock costeiro e pelágico.
Deste modo, na procura de rentabilidade, a pesca industrial virou-se sobretudo para a exploração de espécies do fundo do mar, sendo o principal método de pesca o arrasto, um dos mais destrutivos.
As atuais embarcações pesqueiras são capazes de pescar em montes submarinos, desfiladeiros do fundo do mar e no leito marinho acidentado e irregular, zonas que antes eram evitadas para não deteriorar as redes de pesca.
Assim, para capturar uma ou duas espécies de maior valor comercial, as grandes embarcações da pesca de arrasto, puxam enormes redes com chapas de aço e pesados cilindros pelo fundo do mar, arrastando tudo o que se atravessa no caminho, destruindo corais, esponjas e a respetiva biodiversidade, nomeadamente a fauna bentónica. Tendo em conta os impactos deste tipo de pesca, no início deste século foi proibida a pesca do arrasto nos Açores e na Madeira.
Embora ainda não haja muitos estudos detalhados sobre a perda de biodiversidade provocada pela arte de pesca de arrasto, pelas dificuldades inerentes, prevê-se que a ameaça à biodiversidade marinha e ecossistemas sensíveis, como os corais, provocada por estes «bulldozers» subaquáticos, seja muito equivalente à que a biodiversidade terrestre enfrenta, associada à perda de florestas tropicais.
O fundo do mar está em acelerado processo de desertificação, uma vez que a flora destruída demora dezenas a centenas de anos a ser restituída. Para além dos impactos diretos nos ecossistemas, a destruição da flora marinha em nada contribui para mitigar as alterações climáticas, antes pelo contrário, pelo facto de reduzir o consumo de dióxido de carbono. Os mares são pulmões do mundo.
Com a entrada de Portugal na comunidade económica europeia, em 1986, foram dados subsídios aos armadores para não pescarem, bem como apoios ao abate da nossa frota de pesca, numa estratégia de destruição da pesca tradicional, abrindo caminho à pesca industrial e de arrasto realizada por potentes embarcações de grandes empresas do setor, nomeadamente de Espanha que tem a maior frota pesqueira da União Europeia. Aliás, na altura o Governo do PSD, de Cavaco Silva, foi-se mesmo além, em 40% dos objetivos fixados pela Comunidade Europeia, no objetivo de desmantelamento da frota pesqueira.
A pesca tradicional ou artesanal, mais sustentável, caracteriza-se pela existência de meios tradicionais de captura, com técnicas passadas de geração em geração, com linha e redes. Os barcos são de reduzidas dimensões e de fraca tonelagem, na maior parte das vezes sem motor e, como tal, as capturas não são significativas.
Todavia, para além da destruição da pesca artesanal, os pescadores que ainda vão resistindo têm sentido inúmeras dificuldades, nomeadamente no escoamento do pescado a preços justos. A diferença, entre o preço em lota e o valor pago pelo consumidor no mercado, é enormíssima. Apesar do risco e da incerteza, associados aos pescadores, o grosso do valor do pescado fica nos intermediários, ou seja, nas grandes cadeias de distribuição que esmagam os preços, o que constitui um contributo para o abandono da pesca tradicional e das artes de pesca mais sustentáveis.
Por exemplo, enquanto os preços pagos aos pescadores caíram consideravelmente, devido à pandemia, o mesmo não se repercutiu no preço final a pagar pelo consumidor, antes pelo contrário.
Os Verdes têm insistido, com iniciativas parlamentares, no sentido de que as grandes superfícies sejam obrigadas a indicar o preço pago ao pescador e ao produtor (neste caso de produtos agrícolas), de forma a que os consumidores possam fazer escolhas conscientes sobre o que querem consumir e em que condições querem consumir.
Por outro lado, tendo em conta que a pesca industrial tem levado a uma redução do stock de algumas espécies mais comerciais e ao respetivo aumento do preço, há a pressão também das grandes empresas de distribuição alimentar, para que seja fomentada a aquicultura, passando a imagem de que esta atividade é sustentável, que reduz o esforço de pesca, que evita a pesca intensiva, que está mais próxima do consumidor, ou seja, com menos impactos ambientais, o que na verdade é uma mera falácia.
A aquicultura é uma atividade muito poluente, provocando alterações muito significativas na fauna selvagem circundante e na pesca artesanal. Não podemos escamotear que esta atividade tem impactos suscetíveis de colocar em causa a própria saúde pública, uma vez que estes peixes de “aviário” são alimentados com recurso a antibióticos.
Mais, o grosso da alimentação nas aquiculturas advém de farinhas à base de peixe, ou seja, está a levar a que se exerça uma grande pressão na captura de espécies menos comerciais para a produção de farinhas, intensificando a pesca intensiva e reduzindo o stock de peixe selvagem, podendo contribuir para aumentar o preço a pagar pelo consumidor.
Tendo em conta a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos, é necessário reduzir consideravelmente a pesca industrial e de arrasto valorizando a pesca tradicional e artesanal, nomeadamente garantindo um preço justo pago aos pescadores pelo pescado, reféns das grandes cadeias de distribuição. É também preciso reforçar os estudos sobre os impactos da aquicultura na biodiversidade e na pesca tradicional.
O Partido Ecologista Os Verdes, reunido na sua 15ª Convenção, delibera a necessidade de:
1- Valorizar e criar incentivos à pesca tradicional e artesanal mais sustentável.
2- Criar condições para que as universidades e a comunidade científica estudem os impactos da pesca do arrasto nos ecossistemas marinhos.
3- Garantir um preço justo pelo pescado aos pescadores artesanais / tradicionais, informando os consumidores do valor pago na origem.
4- Monitorizar as aquiculturas e avaliar os impactos decorrentes desta atividade.
5- Sensibilizar os consumidores para um consumo mais responsável e ambientalmente equilibrado, informando sobre o stock de pesca, impactos das artes de pesca, da pesca intensiva ou da aquicultura, entre outros.
6- Criar condições para a implementação de um passaporte económico / sanitário que acompanhe o pescado desde a origem até ao consumidor.
Lisboa, 22 de maio de 2021