O objectivo desta moção é o de a todos convocar para o que se pode constituir como um momento pivotal na afirmação da bicicleta como instrumento, tão simples como decisivo, para a mudança de mentalidades que urge operar nos hábitos quotidianos e abordagens prevalecentes, tanto no campo da mobilidade pessoal como elemento fundamental na definição do ordenamento do território e complementar à utilização dos transportes colectivos.
É impossível ignorar que a paralisação imposta, justificada pela pandemia, tendo conduzido a uma substancial redução da utilização do automóvel, associada às rotinas mais assimiladas, teve um impacto positivo na melhoria da qualidade do ambiente urbano. Esta é, inevitavelmente, uma oportunidade para traçar as necessárias estratégias de deslocação e mobilidade que não podem ignorar as da utilização quotidiana e usufruto dos espaços públicos.
Da mesma forma não podemos ignorar os progressos em matéria de mobilidade sustentável nas grandes áreas metropolitanas do país e algumas das mais recentes conquistas, já há muito reivindicadas pelo PEV, e cujo impacto se traduz não só numa explosão da utilização recreacional da bicicleta, mas também num aumento verdadeiramente expressivo e sustentado dos que a utilizam como meio principal de transporte nas deslocações pendulares.
Mas é urgente não deixar passar a oportunidade, única no contexto recente, não só do nosso país mas de todo o mundo, para esboçar uma alternativa viável aos atuais modelos de transporte e processos socioeconómicos subjacentes.
A progressiva normalização da situação pós-pandémica vem deixar questões em aberto que frequentemente intersectam o que têm sido as reivindicações dos diversos agentes promotores do uso da bicicleta como ferramenta para a criação de um espaço público mais saudável, mais sustentável e mais igualitário nas suas múltiplas vertentes e que, naturalmente, encontram eco nas propostas do Partido Ecologista os Verdes.
A discussão pública sobre estes temas tem versado maioritariamente sobre a construção de infraestrutura rodoviária, dedicada ou adaptada à utilização de bicicletas na via pública, ou à melhor forma de permitir e idealmente promover o seu uso regular em articulação com meios de transporte complementares, sendo que praticamente ninguém questiona já a mais-valia que constitui a sua disponibilidade em modo de aluguer como parte da rede de transportes públicos, pese embora questões que persistem em relação à implementação de um modelo em particular.
Também uma recente iniciativa de apoio à aquisição de bicicletas, que muito tardou em ser concretizada, veio comprovar que muitas das polémicas e preconceitos relativos à utilização destes veículos, como solução preferencial de deslocação em meio urbano, estão definitivamente ultrapassadas e que muitas portuguesas e portugueses estão ativamente empenhados em pôr em prática novas soluções para um velho problema assim lho permitam.
A contribuição da utilização da bicicleta por uma maior percentagem da população activa, para um aumento da segurança rodoviária, será por demais evidente quanto for alicerçada por uma formação de base que indique as melhores opções para cada situação e indivíduo/ grupo etário e desmonte o dogma prevalecente da supremacia do automóvel em todos os momentos.
Já estão sobejamente interiorizados no nosso léxico os benefícios da utilização frequente da bicicleta no campo da saúde e da prática desportiva; na qualidade ambiental, nomeadamente ao nível da ocupação do espaço e na redução da carga poluente na atmosfera e nas dinâmicas económicas, nomeadamente ao nível das micro, pequenas e médias empresas.
Destacando esta última componente, de facto são múltiplas as atividades económicas suportadas pela produção, manutenção e utilização deste tipo de veículos e que poderão concorrer decisivamente para a necessária recuperação da economia nacional, com um particular ênfase no seu carácter local. Portugal assumiu nos últimos anos um lugar entre os maiores produtores e exportadores de componentes e acessórios para bicicletas no espaço europeu, tendo potenciado capacidade produtiva e conhecimento de setores tradicionalmente fortes que souberam acompanhar o pelotão da inovação neste mercado, e que estão longe de esgotar todo o seu potencial. Em paralelo, a bicicleta é, de entre os equipamentos produzidos em massa, aquele que permite, ainda hoje, e cada vez mais em contra-ciclo, a proliferação de uma verdadeira economia circular assente na reciclagem e “upcycling”, conferindo aos seus utilizadores uma capacidade de intervenção e extensão da sua vida útil que a torna ímpar entre as ferramentas para a construção de modelos de sustentabilidade e bandeira de todo o tipo de projectos de carácter cooperativo e comunitário.
Por fim, e na senda daquilo que já vem sendo feito um pouco por todo o país, na última década pelo menos, mas que está ainda escandalosamente longe de aproveitar o incrível património natural do qual somos beneficiários e pelo qual somos responsáveis, uma aposta concertada a nível nacional e o incentivo do cicloturismo ao nível de outros países no espaço europeu permitiria acrescentar uma muitíssimo competitiva valência ao já extenso portfólio da indústria do turismo nacional, com a decisiva vantagem de este ser um mercado, cada vez menos de nicho, que apela a um público decididamente investido na preservação dos recursos naturais e, na sua grande maioria, activamente empenhado na defesa do meio ambiente.
Como tal, o Partido Ecologista Os Verdes, reunido na sua 15ª Convenção, delibera a necessidade de:
1 – Se adoptarem e reforçarem medidas legislativas no sentido de criar, no capítulo da educação, conteúdos programáticos logo desde o primeiro ciclo do ensino, que promovam a utilização da bicicleta não só na sua vertente recreacional/ desportiva, mas também na perspectiva de integrar o leque de possíveis alternativas de locomoção, numa perspectiva sucessivamente adequada à faixa etária dos educandos.
2 – Continuar a promover uma política fiscal que favoreça a utilização frequente da bicicleta, com reduções fiscais na aquisição de veículos não motorizados, de duas ou três rodas.
3 – Estabelecer como prioritário, ao nível do ordenamento do território, o aumento da rede de ciclovias municipais e intermunicipais, reforçando as infraestruturas já existentes e aumentando a possibilidade das deslocações pendulares e das deslocações para a escola.
4 – Promover soluções adequadas para o parqueamento seguro e mesmo comunitário, ao nível do planeamento municipal, seja nas novas construções, seja nos bairros já consolidados.
5 – Promover e apoiar as pequenas oficinas de bicicletas de bairro e iniciativas de carácter cooperativo e comunitário de reutilização e recuperação de velocípedes.
6 – Promover uma campanha de aquisição facilitada para jovens em idade escolar.
7 – Promover uma solução de seguro de grupo acessível a todos.
Lisboa, 22 de maio de 2021