Nos últimos anos a exploração do espaço e o avanço tecnológico nesta área conheceram um forte mediatismo muito impulsionado pela entrada em força de grupos privados, nomeadamente ao nível do programa espacial dos Estados Unidos da América. São grupos que têm uma agenda própria que levanta sérias reservas.
De facto a exploração do espaço para além do planeta Terra, o quebrar barreiras e a capacidade de realização do Homem sempre alimentaram e apaixonaram o imaginário e impulsionaram esta incansável vontade de expandir conhecimento e territórios.
É inegável que a Odisseia Humana, com todas as suas contradições, avanços e recuos, é admirável, desde que resolvemos sair de África e povoar todos os cantos desta nossa Casa comum. E é certamente com admiração que valorizamos a conquista do Espaço por Yuri Gagarine ou o pisar a Lua por Neil Armstrong. Programas espaciais e a conquista da próxima fronteira fazem sentido como projetos das comunidades e das nações, com programas espaciais inter-nações, e sujeitas ao escrutínio dos cidadãos.
Devem também essas acções reger-se pelos princípios do Tratado sobre os Princípios Que Regem as Actividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes (Tratado do Espaço Sideral) aprovado pelas Nações Unidas e que entrou em vigor em Outubro de 1967.
Este Tratado no seu artigo primeiro refere que “A exploração e utilização do espaço exterior, incluindo a Lua e outros corpos celestes, será conduzida para benefício e interesse de todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento económico ou científico, constituindo apanágio de toda a Humanidade.” O mesmo coloca ainda restrições à colocação de armamento de destruição maciça e insta à cooperação e assistência mútua na exploração e utilização do Espaço.
Mas esta corrida ao espaço preocupa-nos quer pela crescente ameaça da militarização do espaço e da proliferação de armas, incluindo nucleares, promovida pela indústria privada militar quer pelos programas de exploração e mineração da Lua e Marte definidos pelo setor privado, com o apoio de Governos, nomeadamente dos Estados Unidos da América e sem o escrutínio do comum dos cidadãos. Uma preocupação que se agrava quando estes mesmos Estados Unidos têm bloqueado na ONU as iniciativas de estabelecer um Tratado contra a Proliferação de Armas no Espaço, até porque este é o único país que tem um ciorpo militar específico para o espaço, criado recentemente.
É preocupante que haja uma crescente transferência de capacidade decisória para organismos privados, empresas e corporações multinacionais, afastadas da participação democrática, e com objetivos claramente predatórios e contrários ao bem comum.
Por tudo isso reiteramos que a exploração do espaço deve ser feita com fins pacíficos e de progresso comum para a humanidade como referido pelo Tratado do Espaço Sideral.
A pretexto de facilitar a colocação de foguetões no espaço e de aumentar a presença de satélites em órbita, justificando-se com a necessidade crescente de melhorar os sistemas de comunicação, recentemente Portugal viu-se profundamente envolvido nesta corrida ao espaço.
Neste contexto têm sido tomadas decisões cujos impactos não se conhecem de todo. A informação que vai chegando é veiculada através da comunicação social, alimentando muita especulação e incerteza face aos seus projetos e objetivos.
Em 2018 e 2019 o Governo português aprovou a Estratégia Portugal Espaço 2030 e criou a agência espacial portuguesa, a Portugal Space, com sede na ilha de Santa Maria, Açores, e foi lançado um concurso para a instalação de um porto espacial para lançamento de foguetões nessa ilha. Todo este processo avançou à revelia das populações e das entidades locais e nem para tal foi elaborada uma Avaliação Ambiental Estratégica, que tanto se justificava.
Decisões e iniciativas que têm sido tomadas à margem das populações, sem o seu envolvimento e sem que seja prestado os esclarecimentos cabais. Os impactos de uma iniciativa desta natureza são certamente muitos, positivos e negativos, e exigem uma avaliação séria e o envolvimento de todos os agentes nacionais, regionais e locais.
Para além do estabelecimento de um Porto Espacial em Santa Maria, enquadrado na política espacial Europeia, com estreita ligação à estratégia dos EUA para o espaço, como sempre aconteceu, surgem agora novas notícias com mais uma assinatura de protocolo para a criação de uma plataforma de processamento e análise de cargas úteis transportadas do espaço em Santa Maria e o envolvimento do maior grupo espacial alemão, que pretende desenvolver um protótipo de lançador até ao final de 2022, que promete levar satélites para órbita baixa numa base semanal.
O chamado mercado emergente dos pequenos foguetões lançadores de microssatélites, combinando elevados desempenhos com princípios de fabrico e design de muito baixo custo e os interesses destes consórcios sobrepõem-se aos interesses e salvaguardas das populações, do património natural e da qualidade de vida, nomeadamente dos locais afetados.
Todos estes avanços são preocupantes quando não há um envolvimento concreto das populações nas tomadas de decisão e os processos são pouco transparentes e cada vez mais impulsionados pelo sector privado: Acrescenta-se ainda a crescente vontade de mineração e exploração de recursos tanto na Lua como em Marte bem como a ambição de militarização do espaço, com o substancial aumento do lançamento de material para a órbita terrestre e constatação da crescente presença de lixo espacial e material obsoleto.
Face a todas estas profundas preocupações, a 15ª Convenção do Partido Ecologista Os Verdes resolve:
1 – Manifestar forte preocupação face à crescente presença de operadores privados, nomeadamente ligados à indústria militar e farmacêutica, na definição das estratégias e programas para o Espaço;
2 – Defender a abolição das armas no espaço e a assinatura, no âmbito das Nações Unidas, de um Tratado contra a Proliferação de Armas no Espaço, que vincule todos os países e estados envolvidos em programas espaciais;
3 – Exigir a transparência nos programas espaciais e nas atividades relacionadas, permitindo o escrutínio e participação das populações nas decisões e direções a tomar.
Lisboa, 22 de maio de 2021