Portugal está, há muito tempo, confrontado com situações de violações gravíssimas de direitos humanos e de atentados ambientais no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, que se estendem a outras regiões do país.
De facto, esta situação não é nova, nem nasceu com a pandemia da COVID-19. Contudo, parece que foi preciso esta situação de saúde pública para que os poderes políticos central, regional e local olhassem para os problemas que persistem naquela região do país e que afetam de forma muito particular os trabalhadores imigrantes que estão expostos a condições desumanas. É inaceitável que o Governo e a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tenham permitido, e continuem a permitir, que esta situação se arraste, quando já é conhecida há tanto tempo. Este problema não pode continuar a ser desvalorizado, nem tratado com uma passividade que apenas o vai perpetuar.
A verdade é que o anterior Governo avançou com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, que estabelece um regime especial e transitório aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira (ou Perímetro de Rega do Mira), a qual permitiu a instalação de contentores para albergar trabalhadores dentro das explorações agrícolas, podendo alojar mais vários milhares de pessoas, além das cerca de 10.000 que já se estimava estarem no território.
Foi também essa Resolução do Conselho de Ministros que veio reiterar que as áreas a ocupar por estufas podem ter uma percentagem máxima de 30% da sua área total, determinando que, com túneis e estufins, possa chegar aos 40% da área total, ou seja, cerca de 4800 ha. Ora, esta situação é arrasadora do ponto de vista ambiental e põe em causa o equilíbrio ecológico do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Ou seja, falamos de claras cedências a ‘lobbies’ da indústria agrícola intensiva, que é preciso travar e responder com soluções ambientais e sociais adequadas e sustentáveis.
Com efeito, há muito que o PEV alerta e denuncia para a situação inaceitável que se vive no Perímetro de Rega do Mira, no que diz respeito aos trabalhadores, bem como às culturas intensivas e aos seus impactos negativos, tendo, desde 2010 feito várias visitas ao local, reunido com entidades, confrontando o Governo e expondo a situação, quer na Assembleia da República, quer fora dela.
Falamos de milhares de trabalhadores agrícolas que vivem sem as mínimas condições de habitabilidade, que são vítimas de redes de auxílio à imigração ilegal, de tráfico de seres humanos e em que há fortes suspeitas de escravatura.
Do ponto de vista ambiental, estamos perante um problema grave devido à proliferação de culturas agrícolas intensivas e de área coberta, em estufas, pejadas de plástico. Estas práticas agrícolas são bastante consumidoras de água, de pesticidas e fertilizantes, representando graves impactos ambientais que contrariam objetivos a que Portugal se comprometeu, tanto do ponto vista nacional, como internacional.
Recorde-se que o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina tem uma grande importância ecológica para a conservação da natureza e da biodiversidade, mas as estufas e túneis são verdadeiras barreiras visuais e físicas, que afetam não só as pessoas, mas também a fauna (micromamíferos, répteis, anfíbios, etc). Além disso, a proliferação de culturas intensivas, cobertas ou abertas, tem gerado uma alteração da morfologia dos solos, levando à destruição, terraplanagem e drenagem de charcas temporárias e de outras zonas húmidas, estruturas naturais de elevada importância para preservação da biodiversidade.
Quer isto dizer que estas más práticas agrícolas estão em conflito com a conservação de valores naturais que a criação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina procurou preservar. Esta situação revela, também, um dos aspetos mais contraditórios da União Europeia que, por um lado, financia programas de recuperação das Charcas Temporárias (Programa Life), e, por outro lado, através das ajudas à produção, atribui grandes subsídios às multinacionais e empresas responsáveis pela destruição dessas mesmas charcas.
Estamos, pois, perante situações insustentáveis do ponto de vista social e ambiental, às quais urge pôr fim com a maior brevidade, rejeitando todo e qualquer discurso demagógico e populista que procure incentivar a xenofobia e conflitos entre a população e as comunidades migrantes.
Assim, o Partido Ecologista Os Verdes, reunido na sua 15.ª Convenção, delibera:
1. Continuar a pugnar pelos direitos dos trabalhadores agrícolas do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e de outras regiões do país, denunciando as situações desumanas em que muitos deles vivem e defendendo a criação de condições dignas de habitabilidade e de vida para todos.
2. Exigir um profundo empenho e acompanhamento por parte da ACT da situação destes trabalhadores e que tome as medidas adequadas para a sua resolução;
3. Pugnar pela revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, que estabelece um regime especial e transitório aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira, que já demonstrou ser absolutamente lesiva em termos ambientais e sociais.
4. Pugnar pela revisão das regras de instalação de culturas intensivas ou contínuas, tal como as do Perímetro de Rega do Mira, de modo a gerar sustentabilidade ambiental e a não destruição de ecossistemas importantes.
Lisboa, 22 de maio de 2021