EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
O Sistema de Promoção e Proteção (SPP) em Portugal permite o acompanhamento da vida de um jovem até aos seus 25 anos, se se encontrar a estudar ou integrado num processo formativo e desde que seja esse o entendimento da Casa de Acolhimento, da entidade gestora do processo – Tribunal de Família ou Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) – e do próprio jovem.
O jovem pode, desta forma, permanecer acolhido até aos 25 anos se cumprir os referidos requisitos, mas, se abandonar o Sistema de Promoção e Proteção essa decisão é irreversível. Ou seja, se a partir dos 18 anos decidir sair, nunca mais poderá reentrar no SPP, de acordo com a legislação em vigor (Lei n.º 147/99, de 01 de setembro – Lei de proteção de crianças e jovens em perigo).
Neste contexto, importa ter em consideração alguns dados do Relatório CASA que refere que, em 2019, 28% das crianças e jovens acolhidas apresentavam problemas de comportamento, 36% tinham acompanhamento psicológico regular e 25% tinham acompanhamento psiquiátrico regular.
Saliente-se que por norma são crianças e jovens cujos motivos de retirada à sua família biológica passam maioritariamente por negligência, maus tratos psicológicos, físicos e abusos sexuais e em que as vivências passadas e as suas consequências têm um peso muito grande ao longo da sua vida.
Todos estes fatores acabam por poder condicionar a capacidade de decisão destes jovens, a que se soma a pouca noção de irreversibilidade das decisões, a ânsia por atingir a maioridade, a esperança de voltar à família biológica crendo que os problemas estarão ultrapassados e até eventuais conflitos com o Sistema de Promoção e Proteção.
Tudo isto pode influenciar a tomada de decisão e resultar em consequências negativas na vida dos jovens. Decisão essa que é irrevogável, independentemente do contexto, dos fatores e do seu efeito.
A verdade é que há ainda muito por fazer no que diz respeito ao acolhimento e ao período pós-acolhimento e nem sempre a sociedade dá a resposta necessária em termos de acolhimento e integração. Impõe-se, assim, um conjunto de políticas sociais que contribuam para melhorar a resposta nas várias etapas do acolhimento, sem esquecer a fase posterior, pois o processo de acompanhamento e de integração não deve terminar com a saída do acolhimento, devendo procurar-se aprofundar e melhorar a forma como decorrem os processos de autonomização familiar, social e profissional.
Podemos estar perante vários fatores de risco e, apesar de não se conhecer em concreto os dados relativos a trajetórias de jovens adultos com historial de acolhimento, sabe-se que são muitos os casos de jovens que passam por situações de pessoas sem-abrigo, por comportamentos delinquentes, gravidezes precoces, doenças do foro psicológico sem o devido acompanhamento e vários outros problemas e fragilidades.
A este propósito, importa ter em conta que a PAJE – Plataforma de Apoio a Jovens Ex-Acolhidos é chamada a acompanhar e a ajudar muitos desses casos, surgindo os pedidos de ajuda maioritariamente de jovens menores de 21 anos, com especial incidência de jovens com 18 ou 19 anos que saíram há pouco tempo do acolhimento. Nestes casos, já não lhes é possível regressar ao SPP, mesmo não tendo qualquer outra alternativa e podendo representar consequências muito negativas.
A PAJE alerta também para o facto de vários estudos e projetos terem preocupações e recomendações relativas ao processo de autonomia de vida em jovens acolhidos e jovens com experiência em acolhimento.
Com efeito, no âmbito de um projeto internacional designado Outogether – Promoting Children’s Autonomy on Alternative Care (2018-2020) coordenado pela APDES – Agência Piaget para o Desenvolvimento (Portugal) em parceria com a PAJE (Portugal), SIRIUS (Croácia) e SAPI (Bulgária), foram desenvolvidas recomendações sobre esse processo de autonomia.
Efetivamente, a recomendação nº 26 desse documento diz precisamente respeito à “Criação de um suporte legislativo que possibilite um período de carência” onde é proposta a “Criação pelo governo de um suporte legislativo em que o jovem que saísse de forma precoce ou precipitada, tivesse um período de carência durante o qual poderia reverter a situação e voltar ao acolhimento para depois, e aí já de forma consciente, sair do acolhimento, seguindo o já referido follow-up”.
Face ao exposto, e não obstante a necessidade de deverem ser tomadas outras medidas com vista ao reforço da proteção de crianças e jovens acolhidos, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes considera que importa, desde já, alterar a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, com vista a permitir que, após a saída do acolhimento, os jovens possam solicitar, de forma fundamentada, a sua reentrada no sistema. Podermos garantir essa possibilidade é uma questão de justiça e de humanidade, sob pena de as consequências da irreversibilidade da decisão de saída do acolhimento poderem ser muito graves.
Desta forma, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis:
Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei procede à alteração da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (Lei de proteção de crianças e jovens em perigo), no sentido de reforçar a proteção de crianças e jovens acolhidos, permitindo que os jovens, após a saída do acolhimento, possam solicitar, de forma fundamentada, a sua reentrada no sistema.
Artigo 2.º
Alteração à Lei de proteção de crianças e jovens em perigo
Os artigos 58.º e 63.º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (Lei de proteção de crianças e jovens em perigo), alterada pelas Leis n.º 31/2003, de 22/08, n.º 142/2015, de 08/09, n.º 23/2017, de 23/05 e n.º 26/2018, de 05/07, passam a ter a seguinte redação:
“Artigo 58.º
(…)
1 – (…):
a) (…):
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) (…);
f) (…);
g) (…);
h) (…);
i) (…);
j) (…);
k) (…);
l) Após saída do acolhimento e nos 6 meses seguintes, solicitar a sua reentrada, de forma fundamentada, no sistema até aos 21 anos, ou até aos 25 anos se estiverem integrados em processos educativos ou de formação profissional.
2 – (…).
Artigo 63.º
(…)
1 – (…):
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – Em caso de cessação das medidas de colocação por vontade própria do jovem, este pode ser readmitido no acolhimento, no decurso dos 6 meses seguintes, sempre que o solicite de forma fundamentada, até aos 21 anos, ou até aos 25 anos se estiver integrado em processos educativos ou de formação profissional.”
Artigo 3.º
Entrada em Vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 23 de março de 2021
Os Deputados,
José Luís Ferreira
Mariana Silva
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