Na passada segunda-feira, foi formalmente adotada pelo Conselho da União Europeia (UE) a Lei do Restauro da Natureza (LRN) que havia sido aprovada pelo Parlamento Europeu (PE).
O Partido Ecologista Os Verdes que tem assumido como matéria central a proteção da biodiversidade ao nível das políticas europeias e no contexto nacional, considera que, apesar das deficiências, este é um importante passo para impulsionar medidas que, há décadas, vimos a reivindicar e alertar para a sua urgência.
É o caso da inversão no declínio dos polinizadores, a remoção de barreiras nos rios e a melhoria da sua qualidade ecológica, o restauro dos solos, a proteção das áreas protegidas, o papel fundamental do arvoredo e de corredores verdes em espaço urbano, a preservação dos ecossistemas marinhos e agrícolas, matérias sobre as quais tivemos diversas propostas na Assembleia da República, que os sucessivos governos foram ignorando.
Os Verdes, membros fundadores do Partido Verde Europeu, saúdam o contributo dos Verdes Europeus que no Conselho tiveram um papel decisivo na adopção da lei, mas também os cidadãos, as comunidades e ONGA’S que forçaram este avanço por via de petições.
Apesar da necessidade urgente de ação, restaurar a natureza não tem sido consensual em grande medida pela dificuldade revelada pela UE em conciliar o interesse público e a conservação ambiental com a pressão e os interesses do grande agronegócio, da produção florestal e agrícola intensiva, do setor agroquímico, mas também, do setor energético, opções que se repercutem na mercantilização da natureza sob o falso pretexto da sustentabilidade e do cumprimento de metas.
Pese embora a ambição plasmada na Lei – que propõe recuperar pelo menos 20% das zonas terrestres e marítimas da UE até 2030 e todos os ecossistemas que necessitem de ser restaurados até 2050 – o PE acautela mecanismos travão absolutamente antagónicos e que suscitam reservas e preocupações. É o caso de uma “pausa de emergência “ permitindo aos Estados- Membros deixar de aplicar o regulamento no que respeita às metas de restauro dos ecossistemas agrícolas, quando esteja em causa o interesse da UE no que respeita a produção e consumo alimentar.
Neste sentido, a Lei não só revela a falta de investimento e a subvalorização do papel da produção agrícola de média e pequena escala – de que é exemplo a agricultura familiar- e que desempenha já um papel fundamental na conservação da diversidade genética dos alimentos e no restauro dos solos, como vem evidenciar que a tónica da UE é colocada sobre a produção alimentar e a grande distribuição, e não sobre a soberania alimentar e económica dos seus Estados-Membros.
Um outro ponto negativo da LRN incide sobre o facto de pressupor que “para efeitos das derrogações às obrigações de melhoria contínua e de não deterioração fora da rede Natura 2000 previstas no presente regulamento, os Estados-Membros deverão presumir que as instalações para a produção de energia de fontes renováveis, a sua ligação à rede, a própria rede conexa e os ativos de armazenamento são de interesse público superior “, e nesse caso permitir que esses projetos beneficiem de uma avaliação simplificada nos termos do regulamento.
Ora, esta salvaguarda da Lei vem juntar-se aos processos de Simplex Ambiental que em Portugal foram adotados para facilitar a implementação de projetos que escapam à avaliação de impacte ambiental. E nesse sentido, vem aprofundar a submissão aos ditâmes da UE, o que dificulta a conciliação dos projetos de produção energética e a conservação da natureza.
Considerando que, após a entrada em vigor da LRN, Portugal terá um prazo de dois anos para apresentar à Comissão Europeia um Plano Nacional de Restauro da Natureza, definindo a forma como se propõe cumprir as metas, e tendo já a Ministra do Ambiente revelado que esse plano será elaborado pelo ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, não podemos deixar de reforçar o apelo ao investimento nesta instituição, no que se refere aos seus recursos humanos e aos meios técnicos, não apenas para a elaboração do Plano como no necessário reforço para a continuidade dos projetos em curso. Só assim a LRN poderá afigurar-se como uma importante oportunidade de restauro em zonas do país que há décadas aguardam intervenção.
E se é verdade que esta LRN parece ser favorável ao alargamento da intervenção em matéria ambiental, o reforço do ICNF, da APA, do IGAMAOT e demais instituições do Estado com papel na área ambiental, devem merecer o justo investimento quer no quadro orçamental anual, quer pelos fundos a serem alocados ao serviço do cumprimento das metas da LRN, sobre a qual há grandes incertezas sobre os meios a designar.
Face às declarações da Senhora Ministra do Ambiente, Os Verdes aguardam com grande expectativa que o Plano Nacional mereça efetivamente o envolvimento da “academia e da sociedade civil, incluindo agricultores, pescadores e comunidades locais” num amplo e consequente processo de participação. Por outro lado, esperamos que este plano não se traduza numa singela declaração de boas intenções, mas que estabeleça e indique prazos concretos e modos de financiamento precisos para a implementação das medidas nele contidas.
Destacamos ainda que uma LRN só poderá surtir efeitos duradouros se o Governo enfrentar e contribuir com medidas de combate à desertificação das áreas rurais e do interior – quer por via do reforço dos serviços públicos, quer pelo dinamismo e apoio à produção e consumo local – reforçando o papel e o envolvimento das ONGA e das comunidades locais nos processos decisórios em matéria ambiental e, sobretudo, encarando que o interesse público reside de facto na sustentabilidade e resiliência dos territórios, e que a biodiversidade está no centro e na base de um futuro sustentável e de economias locais robustas.
Os Verdes continuarão a liderar a luta pelo fim do uso de agroquímicos, a gestão pública e sustentável da água, a produção e consumo local, e continuaremos intransigentes na necessária e urgente proteção e conservação da natureza, ainda mais emergente num quadro de alterações climáticas para cuja mitigação e processo de adaptação a salvaguarda dos recursos naturais, a preservação dos ecossistemas e o restauro da Natureza são absolutamente fundamentais.
20 de junho de 2024
Partido Ecologista Os Verdes