A deputada, Mariana Silva, do Grupo Parlamentar Os Verdes, entregou na Assembleia da República uma pergunta, em que questiona o Governo através do Ministério da Saúde, sobre a robustez das novas respostas que venham a ser criadas e a articulação com serviços existentes da iniciativa pública e privada, em matéria de reabilitação em saúde mental, por forma a que os investimentos públicos se traduzam num efetivo reforço das respostas de saúde e sociais para as pessoas com doença mental, no acesso equitativo a tais serviços e numa melhoria da qualidade de vida das famílias e cuidadores do doente mental.
Pergunta:
Em 2015, o Primeiro Relatório Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, realizado com pessoas de nacionalidade portuguesa com mais de 18 anos e de ambos os géneros, apontava para uma prevalência das perturbações psiquiátricas, em Portugal, superior a um quinto.
Portugal tem a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, conjuntamente com a Irlanda do Norte, e as perturbações de ansiedade são as que têm maior prevalência em Portugal.
Aprovado em 2007, o Plano Nacional de Saúde Mental (PNSM), que vigorou entre 2007 e 2016 e que, em resultado de avaliação efetuada em 2017, foi estendido a 2020, estabelece uma visão centrada no desenvolvimento de respostas capazes de assegurar a toda a população portuguesa o acesso a serviços habilitados, a promover a sua saúde mental, prestar cuidados de qualidade e facilitar a reintegração e a recuperação das pessoas com esse tipo de problemas.
Desde então foi criado o enquadramento com vista à descentralização dos serviços de saúde mental, de modo a permitir a prestação de cuidados mais próximos das pessoas e a facilitar uma maior participação das comunidades, dos utentes e das suas famílias.
Neste sentido valorizaram-se os cuidados na comunidade, prestados no meio menos restritivo possível, fator decisivo para a desinstitucionalização da pessoa com doença mental, dando primazia às alternativas de tratamento na comunidade, e constituindo a decisão de internamento um último recurso, esgotadas tais alternativas.
A integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral de saúde, tanto a nível dos cuidados primários, como dos hospitais gerais e dos cuidados continuados constitui um dos principais objetivos do PNSM.
Contudo, tal como apontava o Plano em 2007, mas não distante da realidade em 2021, “as equipas de saúde mental continuam a contar com um escasso número de psicólogos, enfermeiros, técnicos de serviço social, terapeutas ocupacionais e outros profissionais não médicos”, pelo que a implementação de equipas multidisciplinares, um acompanhamento com vista à reabilitação em contexto comunitário, e uma efetiva articulação com os serviços de saúde locais está longe de responder às necessidades dos utentes.
O acesso aos serviços a todas pessoas, independentemente da idade, género, local de residência, situação social e económica, em respeito pelos princípios de acessibilidade e equidade, tal como definido em 2007, ainda não é uma realidade em todo o país.
No que respeita os cuidados de saúde na área da Saúde Mental, e de acordo com dados citados a partir do Eurostat no relatório da OCDE de 2021 sobre os Sistemas de Saúde Mental, Portugal é um dos membros nos quais é reportada uma maior taxa de necessidades não satisfeitas de cuidados de saúde mental por razões financeiras quando comparadas com as outras necessidades de saúde, registando um valor de 31,1%, apenas atrás da Islândia com 33,1%.
Não obstante o caminho que tem vindo a ser seguido desde a década de 90, com a criação de serviços descentralizados, com respostas mais próximas das populações e uma progressiva articulação com centros de saúde e entidades com respostas psicossociais na comunidade, a cobertura destes serviços a nível nacional é muito assimétrica.
São sobretudo as carências ao nível dos recursos humanos e das infraestruturas, associada a anos de desinvestimento público no setor da saúde mental, que têm condicionado e atrasado a implementação e desenvolvimento de medidas, em particular nos cuidados de saúde mental comunitários.
No contexto pandémico o acompanhamento aos utentes e a sua reabilitação foi comprometida, designadamente pela suspensão, por tempo indeterminado, da maioria das respostas que integravam doentes em fóruns sócio-ocupacionais e que se viram limitados nesse apoio, isolados nas suas casas aos cuidados das famílias, com o desgaste que pendeu sobre familiares e cuidadores.
O processo de retoma da prestação de cuidados continuados em saúde mental, deixou por muito tempo, demasiado tempo, doentes e cuidadores sem alternativas.
É indiscutível que a perda de emprego e de rendimentos afetaram a vida das famílias e a estabilidade emocional da maioria das pessoas, e também estes fatores vieram evidenciar desigualdades no acesso a cuidados de saúde e de saúde mental.
De facto, a deterioração geral da saúde mental tem-se multiplicado a nível internacional desde o início da pandemia, em 2020, particularmente entre a população mais jovem, ao ponto de em alguns países os casos de ansiedade e depressão terem mesmo duplicado, facto a que o contexto nacional não é alheio, o que requer um reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em saúde mental em todas as suas vertentes.
Em Portugal está prevista, no quadro do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), a concretização da Reforma da Saúde Mental através de investimentos com vista à desinstitucionalização dos doentes residentes em hospitais psiquiátricos ou no setor social, que não beneficiam da oferta de cuidados da RNCCI, garantindo a cobertura nacional de Serviços
Locais de Saúde Mental (SLSM), nas vertentes de internamento, ambulatório e intervenção comunitária, ou ainda alargar a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados em Saúde Mental (RNCCI-SM) com aumento progressivo da cobertura nacional e do número de lugares.
Na verba prevista no PRR para a Saúde Mental estarão incluídas as construções e remodelações de infraestruturas, entre as quais 4 unidades de internamento em hospitais gerais, 15 Centros de Responsabilidade Integrados (CRI), a requalificação das instalações dos SLSM em 20 entidades, a construção de 3 unidades forenses de transição para a comunidade e de 1 nova unidade forense (Sobral Cid) mas também a remodelação de outras duas (CHPL e HML).
Considerando não apenas as construções propostas, mas também a necessidade de equipar estas estruturas, e ainda garantir a constituição de equipas multidisciplinares nas diferentes respostas de saúde e sociais, a verba propostas suscita dúvidas na medida em que se afigura insuficiente para a suprimir estas necessidades.
Ora, no que respeita os Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental (CCISM) as respostas de reabilitação psicossocial e integração comunitária de jovens e adultos com doença mental têm sido desenvolvidas através de Acordos de Cooperação no âmbito do Despacho Conjunto 407/98 e de experiências piloto no âmbito da Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental (RNCCISM).
Sobre as respostas para a efetiva desinstitucionalização e integração comunitária das pessoas com doença mental criadas ao abrigo do Despacho Conjunto 407/98 tem sido conduzido um processo de reconversão em respostas integradas na RNCCISM, previsto no Artigo 5º da Portaria nº 68/2017.
No entanto, apenas um número restrito de respostas no Despacho Conjunto 407/98 se conseguiram qualificar para a RNCCISM, em grande medida devido a exigências ao nível requisitos arquitetónicos e funcionais que constam daquela portaria, adaptada ao contexto hospitalar, mas distante da realidade e das condições dos espaços comunitários e habitacionais dos CCISM, para as quais a qualificação das respostas implica investimento financeiro elevado que coloca em causa a sua sustentabilidade financeira.
Em 2021, de acordo com as entidades de reabilitação de doentes mentais, o Governo ouviu as entidades da RNCCISM no âmbito de uma proposta para a revisão da Portaria 68/2017.
A concretizar-se a sua revogação poderão ser operacionalizadas transformações importantes na eficácia das respostas e na organização da rede de cuidados de saúde, apoios sociais e comunitários na área da saúde mental, essenciais na garantia da continuidade dos cuidados e dos projetos desenvolvidos junto das comunidades nas mais diversas tipologias.
Considerando a proposta do Governo para uma revisão da Portaria nº68/2017 e atendendo à proposta de Reforma da Saúde Mental do PRR, o Grupo Parlamentar Os Verdes solicita esclarecimentos sobre a robustez das novas respostas que venham a ser criadas e a articulação com serviços existentes da iniciativa pública e privada em matéria de reabilitação em saúde mental, por forma a que os investimentos públicos se traduzam num efetivo reforço das respostas de saúde e sociais para as pessoas com doença mental, no acesso equitativo a tais serviços e numa melhoria da qualidade de vida das famílias e cuidadores do doente mental.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicito a S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República que remeta ao Governo a seguinte Pergunta, para que o Ministério da Saúde possa prestar os seguintes esclarecimentos:
1. Qual o ponto de situação relativamente à proposta de revogação da Portaria nº68/2017, sobre a qual foram recebidos contributos e pareceres das entidades que prestam serviços no âmbito da reabilitação dos doentes mentais e na prestação de cuidados continuados integrados?
2. Estão previstas atualizações nas comparticipações da renda, e no financiamento dos utentes em unidades residenciais e unidades sócio-ocupacionais?
3. Está prevista a disponibilização de financiamento para reconversão das unidades criadas ao abrigo do Despacho Conjunto 407/98, em respostas integradas na RNCCISM? Em caso afirmativo, qual o prazo previsto, e qual o enquadramento desse financiamento?
4. Em que medida, no âmbito do PRR, o objetivo de criação de respostas residenciais na comunidade, contribuirá para implementar respostas residenciais em distritos onde esta oferta não existe? Que distritos são considerados prioritários na implementação destas unidades?
5. Relativamente aos investimentos previstos no PRR e à concretização da Reforma da saúde mental, de que forma é que a criação de novas respostas articulará com as respostas já existentes ao nível da reabilitação psicossocial e integração comunitária?
O Grupo Parlamentar Os Verdes
Gabinete de Imprensa de Os Verdes
T: 213 919 642 – TM: 910 836 123
imprensa.verdes@pev.parlamento.pt