A proposta de Orçamento do Estado para 2022, apresentada pelo Governo à Assembleia da República, e cuja discussão hoje se inicia, está longe de constituir um instrumento de resposta aos problemas estruturais do país, e, em vários aspetos, demonstra mesmo ser um fator de
agravamento desses problemas. Com esta proposta o Governo demonstra que a sua obsessão volta a ser o défice, mesmo que à custa da degradação das condições de vida no país, e isso é lamentável.
Para ilustrar esta apreciação geral que o PEV faz em relação à proposta de Orçamento do Estado, registamos algumas considerações sobre as condições de vida dos portugueses, a saúde, a educação, o ambiente e a cultura, com uma nota também sobre a defesa:
Num momento em que o custo de vida dispara, com os preços dos bens essenciais a aumentar de forma descontrolada, o Governo mantém uma proposta de aumento dos salários da função pública na ordem dos 0,9%, muito abaixo da inflação prevista para 2022 e bem abaixo da
inflação já confirmada no ano de 2021. Significa isto que o que o Governo está, efetivamente, a propor é uma diminuição real dos salários e, desta forma, contribui para dificultar a dinamização da economia interna, com reflexos também negativos para as micro, pequenas e
médias empresas que operam no mercado nacional e têm neste a principal base do escoamento dos seus produtos e serviços. De resto, é de salientar, igualmente, que a proposta de OE carece de uma política de apoios concretos à economia, designadamente de ordem fiscal, em especial em relação às micro, pequenas e médias empresas muito fragilizadas com os aumentos brutais de todos os custos de funcionamento.
Também o aumento extraordinário das pensões, em 10€ mensais, assim como o apoio de 60€ para o cabaz alimentar, pagos uma única vez, por agregado familiar beneficiário de tarifa ou pensões sociais, são fácil e rapidamente sugados pelo aumento exponencial do custo dos bens
alimentares essenciais, pelo que, na prática, são instrumentos criados que não terão a eficácia num efetivo combate à pobreza. Isto num quadro de efeitos de uma pandemia que, de acordo com recentes constatações do FMI, empobreceu claramente o nosso país.
Em termos de investimento público, o PEV realça o facto de a proposta de Orçamento do Estado não dar resposta às exigências de reforço dos profissionais (médicos, enfermeiros e outros técnicos) no SNS e, designadamente, da inexistência de criação de mecanismos eficazes
de fixação de médicos em zonas carenciadas, o que levará um conjunto significativo de população a não ter o acesso devido aos cuidados de saúde necessários. Mais, o compromisso do Governo de dar cobertura a toda a população com médico de família parece que não
passará mesmo de uma miragem.
Também na área da educação, onde a breve prazo (até 2030) se prevê um colapso na carência de docentes qualificados, o Orçamento do Estado não dá resposta ao reforço necessário de professores que possam promover, para as nossas crianças e jovens, as aprendizagens
necessárias, o que põe em causa a qualidade da escola pública.
Na área ambiental o orçamento global do Ministério do Ambiente e da Ação Climática diminui em relação à primeira proposta de Orçamento do Estado para 2022, apresentada em outubro do ano passado, o que não augura nada de bom, designadamente, em relação à contratação dos profissionais necessários para garantir a valorização e a segurança ambiental. Os vigilantes da natureza continuam a ser em número muito residual face às necessidades existentes nas nossas áreas protegidas e a grandeza da carência de profissionais nesta área é de tal ordem, que muitos acabam mesmo por ser destacados para prestar serviço fora das áreas protegidas, o que leva a uma inexistência absoluta de vigilância destas áreas classificadas, que agregam património ambiental valioso e muitas vezes raro. Mas é também, por exemplo, em áreas como a fiscalização de pedreiras que a ausência de fiscalização se faz sentir com grande premência, por carência de profissionais da Direção Geral de Energia e Geologia, que, por serem em número tão insuficiente, não conseguem sequer promover a fiscalização trianual
das cerca de 2500 pedreiras que funcionam no nosso país, agravando-se, assim, os riscos de segurança, de que o acidente trágico decorrente da laboração de pedreira em Borba, em 2018, nos deixou má memória, mas, pelos vistos, poucas lições para um Governo que ainda não
percebeu que sem recursos humanos não se prestam os serviços públicos necessários e as operações de segurança de que o país carece.
Num ano em que o Governo deveria comprometer-se seriamente em concretizar a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, o investimento nesta dimensão ambiental, de preservação e valorização da diversidade biológica e de recuperação de
ecossistemas, não se revela, por via da proposta de OE, mais intensa, continuando a constituir um parente pobre da política ambiental, que não tem representado sequer 1% do orçamento global do Ministério do Ambiente e não tem ultrapassado os 3% dos projetos financiados pelo
Fundo Ambiental.
Também na área da cultura se verifica uma continuação do subfinanciamento de um setor que foi flagelado nos tempos mais duros da pandemia e que merecia uma inversão do peso que representa no investimento, lembrando sempre que a cultura é um setor onde são criados
muitos postos de trabalho e que gera, também ela, uma dinâmica económica com relevância.
O PEV não se reconhece nos elogios a um aumento do investimento na área da defesa, para dar cumprimento aos anseios da NATO. Antes reconhecemos como necessário o respeito e a valorização das carreiras de quem opera na área da defesa e da segurança interna, de modo a
garantir a estabilização destes profissionais.