Neste período em que muitos portugueses gozam férias, há problemas no país que se evidenciam com maior intensidade e que nos assolam verão após verão. Perante isto, se é verdade que cabe a cada um de nós um comportamento cívico responsável e seguro, também é verdade que é preciso que nos enchamos de energia para exigirmos dos poderes públicos que façam o que lhes cabe para dar as respostas estruturais que se impõem.
Os incêndios florestais são disso um exemplo paradigmático. De forma tão dramática devastam vidas humanas (é impossível esquecer a tragédia do ano de 2017!), destroem o que muitos cidadãos construíram numa vida de trabalho, aniquilam matas e florestas fundamentais para o combate às alterações climáticas, arrasam biodiversidade. Este ano, sem surpresa, aí estão eles de novo.
Ano após ano foram sendo produzidos inúmeros relatórios e uma diversidade de legislação, mas o problema estrutural, que promove a maior intensidade e expansão dos fogos, mantém-se. Em bom rigor, estamos a colher o fruto de opções políticas erradas que levaram à incontrolável eucaliptização do país, à diminuição de diversidade e de espécies autóctones nos nossos espaços florestais, ao amplo desordenamento florestal, ao abandono do mundo rural e da atividade agrícola (para o que, de resto, importa lembrar que a União Europeia contribuiu substancialmente). E o problema é que os sucessivos Governos continuam a optar por não gerar políticas que invertam esta situação.
Se tivessem sido aprovadas e concretizadas as propostas dos Verdes, de diminuição substancial da área das vastas monoculturas de eucalipto, de incentivo à fixação de espécies autóctones com garantia da sua rentabilidade, de apoio efetivo à agricultura familiar e de fomento das práticas agrícolas sustentáveis, ou da aplicação do princípio ecologista produzir local / consumir local, só para dar alguns exemplos, hoje já colheríamos frutos de um mundo rural diferente e mais seguro.
Vivemos, entretanto, um dos anos em que a seca mais se tem feito sentir. Começa a ser um fenómeno recorrente, como, desde os anos 90, a comunidade científica vaticinou. O fenómeno das alterações climáticas impregnou-se nos discursos políticos, mas é nas propostas e nas ações concretas que se percebe quem verdadeiramente leva o assunto a sério.
A verdade é que se podem construir inúmeros planos e estratégias, mas se, no seu período de vigência, forem encerrados numa gaveta, sem medidas e investimentos que os concretizem, para logo a seguir serem substituídos por um plano mais bonitinho que tenha destino igual, não conseguiremos preparar-nos para um processo necessário de adaptação às alterações climáticas, que, a par das medidas de mitigação, é absolutamente fundamental.
Se tivessem sido aprovadas e concretizadas as propostas dos Verdes relativas ao uso eficiente da água, ao seu reaproveitamento para fins diversos (tais como lavagem de vias públicas e mobiliário urbano ou a rega de jardins), à garantia de gestão pública da água tendo em conta as necessidades das populações e do território, à resolução do problema da adaptação de culturas e de desperdício de água no setor agrícola, onde importa lembrar que nos sistemas de regadio mais de 1/3 da água utilizada é desperdiçada, hoje já estaríamos a colher frutos de um processo mais seguro de adaptação às alterações climáticas.
E, por falar em água, agora numa perspetiva diferenciada, ocorre-me que este tem sido um ano dramático no que respeita a mortes por afogamento. Todo o cuidado é devido, mas o certo é que está provado que a generalidade dos afogamentos se dá em áreas não vigiadas. É por isso que não se percebe por que razão se continua a insistir num sistema de vigilância associado aos concessionários das praias (marítimas ou fluviais), em vez de se criar um corpo de nadadores salvadores contratados pelo Estado para a vigilância das nossas praias, com o contributo financeiro dos concessionários e dos estabelecimentos turísticos da zona, que garantissem que, mesmo as praias onde não há concessionários, tivessem meios de socorro. Essa foi uma proposta recorrentemente apresentada pelo PEV na Assembleia da República e o mesmo número de vezes obstaculizada pelos partidos do Governo.
Pense nisto: sem opções políticas diferentes, justas, sérias e certeiras, pouco ou nada mudará!
Heloísa Apolónia