O direito à habitação está consagrado no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
A verdade, porém, é que o Estado se tem vindo a demitir do seu papel fulcral para garantir esse direito, e tem vindo a deixar na mão do mercado a definição da política real para a habitação, permitindo que esse direito seja transformado numa mercadoria, com prejuízos claríssimos para as famílias e para as dinâmicas e o ordenamento dos meios urbanos.
Com esta opção política, da qual PS e PSD têm sido exímios protagonistas, os preços da habitação têm escalado a um ritmo insustentável (seja no que se refere à aquisição de habitação própria, seja no âmbito do arrendamento). De modo a procurar, de entre a exorbitância de preços, aqueles que são menos exorbitantes (embora, ainda assim, insuportáveis), as famílias são obrigadas a deslocar-se para as já vastas periferias, ficando os centros das cidades disponíveis para o negócio imobiliário que mais render. Assim, os centros urbanos tornaram-se, com facilidade, verdadeiros parques de alojamento local, amplamente despovoados de residentes, ou acessíveis apenas a quem tem um amplo poder económico, num claro fenómeno de gentrificação.
Optando pela continuidade e, até, pela intensificação desta lógica, em 2012 o governo PSD/CDS aprovou um novo regime de arrendamento urbano, o qual ficou conhecido como a lei dos despejos, tendo em conta o efeito imediato que dali resultou. Aquele diploma legal facilitou o despejo de muitos inquilinos, e contribuiu para o aumento exponencial das rendas. Depois disso, o Governo PS teve as melhores condições para proceder à revogação desse regime jurídico, mas nunca o quis fazer.
Entretanto, em 2019, foi aprovada no Parlamento a Lei de Bases da Habitação, a qual, relativamente ao arrendamento, entre outras questões, estabelece que «o Estado desenvolve uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar». A verdade é que os cidadãos não têm conhecido outra tendência que não a da cada vez maior incompatibilidade entre os valores do arrendamento e os orçamentos familiares, porque o Governo se continuou sempre a demitir das suas responsabilidades e continuou a fomentar o mercado livre para a especulação imobiliária. Exemplo disso, foi a recusa do PS de acabar com os vistos gold, medida que só agora vem tomar de forma tão tardia, depois de estes já terem contribuído largamente para o escalar dos custos da habitação.
Neste momento, o Governo PS quer implementar o programa Mais Habitação, o qual integra um conjunto de medidas supostamente tendentes a tornar a habitação mais acessível, quer em número de casas disponíveis, quer em termos de custos para as famílias. Ocorre, porém, que aquilo que lá está proposto não vai, claramente, resolver os problemas estruturais.
Uma das medidas que seria fundamental tomar, para alterar substancialmente o estado incomportável da situação relativa ao acesso à habitação, prende-se com o aumento visível da oferta pública de habitação. Com efeito, no nosso país o parque habitacional público ronda os 2% do total, o que nos mantém muitíssimo abaixo da média europeia. Sem este investimento, será muito difícil que o Estado influa num mercado completamente dominado pela fúria especulativa dos interesses imobiliários privados.
Outra medida crucial, seria o congelamento do aumento das rendas, de modo a garantir um travão ao seu permanente crescimento até ao limite do insuportável. Ao invés disso, o Governo determina um limite de aumento de 2% (quando no ano passado o coeficiente de atualização das rendas foi de 0,43% – portanto, bastante menor). Isto num momento em que os salários assistem a um decréscimo real, em que o custo de vida sobe exponencialmente e, portanto, em que as dificuldades económicas das famílias se agravam sobremaneira.
Como paliativo, o Governo opta por estabelecer um auxílio temporário a algumas famílias cujos rendimentos vão até ao 6º escalão do IRS e que tenham uma taxa de esforço com a habitação superior a 35%. O problema é que, desde logo, os apoios não vão chegar a muitas das famílias que têm enormes dificuldades em pagar a sua renda, e, por outro lado, os valores exorbitantes das renda vão manter-se amplamente elevados.
Simultaneamente, o Governo, para além de tomar como prioridade mecanismos que tornem ainda mais fácil e célere o despejo de inquilinos, «injeta» milhões e milhões de euros em mais benefícios fiscais aos detentores de rendimentos prediais e põe o erário público a compensar os grandes proprietários de imobiliário, seja através de isenções fiscais, seja através de linhas de crédito com juros bonificados. Os bancos e os fundos imobiliários precisam mesmo de mais benesses, de mais apoios, de mais borlas?! Será que os privilégios para aqueles que lucram desmesuradamente nunca acabam?!
Estes são apenas alguns dos exemplos que demonstram que este pacote apresentado pelo Governo, intitulado Mais Habitação, não vai resolver os problemas estruturais com que se confronta o mercado de arrendamento, nem, tão pouco, o mercado de venda e aquisição de habitação própria para os jovens e as famílias em geral. O país precisa de disponibilidade de habitação acessível, a preços comportáveis e nada disso é solucionado pelas propostas do Governo. De resto, a onda de contestação que se desenrolou no país em matéria de habitação é bem demonstrativa de que não se perspetivam soluções sustentáveis por parte do Governo, tal e qual como a desesperança que, nesta matéria, os Governos de direita representaram sempre.
O Partido Ecologista Os Verdes continuará a defender intransigentemente a Constituição da República Portuguesa e também a exigir o cumprimento dos princípios estabelecidos na Lei de Bases da Habitação. O PEV continuará a associar-se às justas reivindicações e a levantar a sua voz pela defesa do direito à habitação condigna para todos. Contém connosco!
17 de Abril de 2023
Heloísa Apolónia | da Comissão Executiva Nacional do PEV