Estamos a atravessar um período que, no nosso país, como um pouco por todo o mundo, se carateriza por:
– Uma enorme ofensiva das forças de direita e de extrema direita;
– Uma escalada de guerras em vários pontos do globo, com especial relevo para as da Ucrânia e da Palestina (a alastrar-se a todo o médio oriente);
– A ultrapassagem de todos os limites que permitiriam termos um planeta sustentável, com implicações inegáveis ao nível das alterações climáticas.
Estes fatores criam, por todo o lado, um clima de total imprevisibilidade quanto ao futuro.
É neste quadro que, no nosso país, está na ordem do dia a discussão do OE para 2025, que, depois de ter sido aprovado na generalidade (com os votos a favor dos partidos que integram o governo – PSD e CDS – e uma violenta abstenção do PS – apenas para não causar instabilidade política), está agora a ser apreciado na especialidade e terá a sua derradeira votação no próximo dia 29 deste mês.
Este governo tem, muitas vezes, cedido à tentação do populismo.
O OE para 2025 que a Assembleia da República se prepara para aprovar, porque não se espera que a votação final tenha um resultado diferente da votação na generalidade, é, acima de tudo, um documento populista.
Populista, porque diz dar resposta a muitas das reivindicações de alguns setores profissionais (professores, forças de segurança e outros).
Reivindicações justas, diga-se, e que já vêm de há muito.
Para além disso, utiliza uma retórica de esquerda:
. Defesa de direitos;
. Valorização de salários;
. Valorização de pensões.
Utiliza esta retórica, mas, na verdade, verifica-se não ser bem assim.
De facto, limita-se, no essencial, a duas medidas, também elas populistas, porque injustas ou de efeitos sem expressão e que deram lugar a grandes discussões e foram largamente exploradas pelos meios de comunicação, como se fossem essas as medidas que mais importância têm na vida das pessoas.
Como se estivesse nelas concentrada toda a capacidade de vir a proporcionar ao país um grande nível de desenvolvimento.
Medidas tão importantes que era delas que dependia a posição do PS sobre o Orçamento.
Então de que medidas falamos?
Duas medidas fiscais:
. A redução do IRC (em apenas 1%) – Medida que só aproveita às grandes empresas, porque para as MPME, será irrelevante – O que importava para as MPME seria a redução, ou mesmo a eliminação das Tributações Autónomas que, essas sim, penalizam e muito as empresas mais pequenas.
E é, também, uma medida que, ao contrário do objetivo com que o governo a justifica, não será, como nunca foi, decisiva para atrair investimento;
. E o IRS Jovem (onde o governo prevê deixar de receber cerca de 800 M€)
E, neste caso em concreto, aqui fica bem expressa a orientação política do governo e daqueles que viabilizam esta solução.
Porque quem beneficiará mais desta medida são os jovens que maiores rendimentos têm, já que a grande maioria de jovens (alguns até licenciados) têm rendimentos anuais abaixo do valor limite para ficarem abrangidos pelo IRS.
E pergunta-se, se estes 800 M€ não seriam melhor utilizados se fossem, por exemplo, investidos em creches e jardins de infância.
Esta sim uma medida tão necessária, socialmente mais justa e que iria beneficiar muito mais jovens e cativá-los a manterem-se no nosso país.
Mesmo os tais jovens com maiores rendimentos.
E, com tudo isto, as grandes questões, que afligem de facto a maioria da população, passaram ao lado da discussão. Propositadamente! E com o conluio, mais uma vez, dos órgãos de comunicação.
As questões da saúde, da habitação, do ensino, do ambiente, do bem-estar animal, da pobreza (que atinge mesmo muitos daqueles que trabalham), dos investimentos públicos necessários, passaram ao lado.
E o que iremos ter é um Orçamento em que muito irá para engordar os grandes grupos económicos e muito faltará para valorizar salários e pensões, para os hospitais e centros de saúde, para as escolas, para as creches e os lares, para as esquadras da PSP e postos da GNR, para os bombeiros, para os tribunais, para os transportes, para a ferrovia e para as estradas e para a prevenção dos efeitos das alterações climáticas.
Quero deixar aqui também, a nota de que é bom não esquecer (e o PEV sabe bem como foi, nos anos do acordo parlamentar com o PS), que uma coisa é o que é colocado em Orçamento, outra é o que é realizado.
Normalmente, o momento de aprovação dos Orçamentos é muito mediatizado.
Já a apresentação das contas do Estado, ou seja, aquilo que de facto foi feito, passa completamente à margem.
Porque depois prevalecem as “contas certas”, mais a necessidade da descida dos deficits, para Bruxelas e as empresas de rankings verem. Mesmo que à custa do atraso do país e das dificuldades criadas à vida das pessoas.
Estamos fartos de Orçamentos que repetem, ano após ano, os mesmos investimentos, as mesmas promessas, as mesmas intenções. Mas que não passam disso mesmo….
Desta vez, anuncia-se, até, um aumento significativo do investimento público.
Mas a proposta que consta do Orçamento é de redução do investimento em percentagem do PIB e não o contrário e, para além disso, é apresentado um montante inferior ao valor do desgaste sofrido pela infraestruturas e equipamentos existentes.
O investimento crescerá, se for realizado, em valor, mas diminuirá em relação ao PIB previsto.
Já relativamente aos investimentos privados e aos apoios que lhes estão associados, o Estado não pode continuar a abster-se de tomar posição quanto aos tipos de investimentos que devem ser apoiados, por potenciarem o desenvolvimento do país.
Não se pode apoiar às cegas tudo o que seja investimento privado.
Não pode ser, apenas, apregoar-se a baixa de impostos para as empresas, como é o caso, e ficar a aguardar que aqui se venha instalar seja o que for, sem qualquer orientação do Estado quanto ao interesse estratégico nacional e, quantas vezes, passando por cima, nomeadamente, da salvaguarda das questões ambientais e sem que esses investimentos venham contribuir para o desenvolvimento do país.
Em conclusão:
Vamos ter um mau orçamento, que agravará a vida das pessoas, porque introduz mais injustiças e desigualdades e não irá contribuir para um desenvolvimento equilibrado do país.
Nós, “Verdes”, por cá continuaremos a lutar, como sempre, junto com as populações e as suas organizações, por um país mais justo, mais desenvolvido, mais sustentável e em paz.
Afonso Luz
Dirigente Nacional do PEV e eleito da CDU na Assembleia Municipal de Setúbal