Sendo certo que uma das garantias de longevidade de uma Constituição reside na possibilidade da sua revisão, permitindo adaptar o texto da Lei Fundamental aos novos desafios e mundividências, não deixa de ser igualmente certo que as Leis de Revisão Constitucionais não devem ser usadas de ânimo leve, ou leviano, nem como prova de vida da mesma, nem muito menos para acertos de contas com a História ou para tentativas de branqueamento e distorção dos princípios basilares em que assenta.
A possibilidade do Parlamento ordinário – sem ser necessário uma ruptura de regime nem a convocação de uma nova Assembleia Constituinte – poder introduzir alterações à Constituição constitui inegavelmente uma vantagem, mas só se for usada com prudência e bom senso. Caso contrário, corre-se o risco de banalizar um processo essencial, degenerar os princípios e o equilíbrio de poderes constitucionais, trazer confusão, imprecisão e falta de clareza, abastardando e enfraquecendo a base do nosso ordenamento jurídico e político.
Entre as intenções revanchistas da extrema-direita parlamentar, contra os valores de Abril da igualdade, justiça social, solidariedade, numa guerra raivosa ao preâmbulo histórico da Constituição, sempre sob o pretexto da pretensamente desejável “neutralidade ideológica”, e as tentações do centro parlamentar de abrir pequenas brechas para resolver questões conjunturais e enfraquecer as garantias fundamentais, corre-se o sério risco de se ficar pior do que antes da revisão.
A revisão constitucional não era urgente, não era imprescindível nem sequer era verdadeiramente necessária. Vê-se assim instrumentalizada a interesses de ocasião.
Após 47 anos de vigência, a Constituição clama mais pela concretização dos seus princípios e direitos fundamentais do que por revisão. Pela concretização do direito à Escola Pública, ao SNS, ao Ambiente com a preservação dos ecossistemas e dos recursos naturais, a defesa do solo e de uma floresta autóctone que garanta a recarga de aquíferos e o ciclo da água, o acesso a uma justiça célere, o direito à Cultura, à igualdade de oportunidades e a uma política fiscal de justa redistribuição da riqueza.
A defesa do regime Democrático e da Liberdade do Povo português (da Liberdade que não dispensa a paz, o pão, a habitação, saúde e a educação, e não da liberdade do capitalismo selvagem do Séc. XIX…) assentam na nossa Constituição, forte e viva!
Que a revisão atualmente em curso seja responsável, que se cuide do legado de Abril, e acima de tudo, que se cumpra a Constituição!
Francisco Madeira Lopes