O Partido Ecologista Os Verdes divulga o seu parecer no quadro da participação na discussão pública do Programa-Alcateia 2025-2030, cuja elaboração foi determinada pelo Despacho nº 1392/2025, de 24 de janeiro, do Gabinete da Ministra do Ambiente e Energia.
Tendo como referência todo o trabalho que Os Verdes têm desenvolvido em torno do Lobo-ibérico, da proteção da biodiversidade e da conservação da natureza ao longo dos últimos 40 anos, o PEV apresenta a sua apreciação fundamentada e alicerçada num vasto conhecimento da realidade local em diversas vertentes e não apenas uma posição baseada em documentos:
Participação do Partido Ecologista Os Verdes na Consulta Pública Sobre o Programa-Alcateia 2025-2030
Encontra-se em fase de discussão pública o Programa-Alcateia 2025-2030, no seguimento do Despacho n.º 1392, de 30 de janeiro do Gabinete da Ministra do Ambiente e Energia, o Partido Ecologista Os Verdes, analisando o documento e tendo como referência todo o trabalho que tem desenvolvido em torno do Lobo-ibérico, da proteção da biodiversidade e da conservação da natureza ao longo dos últimos 40 anos, entendeu prestar os seguintes comentários e contributos.
A Lei n.º 90/88, de 13 de agosto, que protege estritamente o Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) teve origem num Projeto de Lei do Partido Ecologista Os Verdes, que foi aprovado por unanimidade, entendendo-se que face ao risco de extinção, como acontecia na altura pela Europa fora, era fundamental proteger o Lobo. O objetivo do diploma na altura era não apenas proibir o abate do Lobo, mas muito para lá disso, proteger e regenerar o seu habitat, melhorar o estado do conhecimento da espécie no nosso país, apoiar e acompanhar as populações residentes em território de Lobo e dotar as entidades estatais com os meios necessários para levar a cabo a missão da proteção.
Se no início do século XX o Lobo-ibérico era uma espécie presente em todo o território português a sua população tem vindo a diminuir drasticamente e nem a Lei de 1988 conseguiu pôr um travão a esse declínio.
Os Censos de 2002 demonstravam uma situação preocupante da espécie mas sempre nos convenceram de que a população se encontrava estável e com forte probabilidade de alargar a presença no território assim como número de indivíduos.
O último censo efetuado sobre o Lobo-ibérico em Portugal, em 2019-2021, para além de ter demorado bastante tempo a ser divulgado (em 2024), veio contrariar esta narrativa e confirmar a triste realidade de declínio da espécie em Portugal, apesar de uma maior sensibilização para a proteção das espécies, apesar de se conhecer melhor o seu território e as causas que afetam a população, apesar de vezes sem conta se anunciarem medidas de proteção, existirem restrições à intervenção no território do Lobo, de estarem previstas medidas compensatórias aos criadores de gado aquando sofrem danos causados pelo Lobo. Apesar de isso tudo o Lobo-ibérico continua a desaparecer das nossas terras. Com a agravante, de enfrentar ameaças sobre os seus habitats, desde logo em áreas particularmente sensíveis em matéria de declínio das alcateias, como é o caso preocupante de Vila Real, onde os projetos de mineração de lítio, pela sua dimensão, fazem antecipar consequências dramáticas para as alcateias que ali resistem.
Os problemas identificados há mais de 20 anos, não são novos nem desconhecidos. A maioria das medidas e ações a tomar estão identificadas há mais de 20, 30 ou 40 anos, não são novas nem foram esgrimidas agora.
Na realidade os problemas persistem e agravam-se. Não há garantia de que as medidas agora anunciadas se concretizem. Subsistem problemas crónicos, não contemplados no Programa agora em consulta pública.
O Partido Ecologista Os Verdes, que acompanha a questão do Lobo há mais de 40 anos, tendo realizado várias iniciativas parlamentares, reuniões, visitas, debates e fóruns, promoveu recentemente uma mesa redonda dedicada à proteção do Lobo-Ibérico e os desafios transfronteiriços, precisamente para complementar a participação na presente consulta pública.
A Mesa Redonda, organizada em Braga, contou com a participação de dirigentes do Partido Ecologista Os Verdes, da Co-PortaVoz do Partido Verde de Espanha, Verdes Equo, de produtores de gado de Trás-os-Montes, com pessoas ligadas aos baldios, com empresários da região do Gerês e com movimentos locais de luta contra as minas de lítio em territórios do Lobo.
Dias antes, Os Verdes haviam reunido com a direção do Parque Nacional da Penêda-Gerês, especificamente para abordar esta questão.
Este enquadramento serve para expor que a apreciação que o PEV faz do presente Programa Alcateia 2025-2035 é fundamentada e alicerçada num vasto conhecimento da realidade local em diversas vertentes e não apenas numa posição baseada em documentos.
A crónica falta de meios nomeadamente humanos do ICNF.
O reduzido número de vigilantes da Natureza, a dificuldade de reter os novos devido aos baixos salários e por concretizar a revisão e regulamentação da carreira especial de Vigilante das Natureza, criada pelo Decreto Lei n. 470/99 de 6 de novembro, faz com os novos vigilantes à primeira oportunidade migrem para outras funções não conseguindo fortalecer um corpo de vigilantes já de si bastante insuficiente, a dificuldade em suprir o vazio deixado pelo cada vez maior número de aposentações e envelhecimento desse mesmo corpo. Este problema está mais do que identificado e continua sem ser dada a devida resposta.
Isto resulta numa grande carência de equipas no terreno, fundamentais para fazerem educação e esclarecimento, monitorização, darem apoio atempado em situações de conflito e de ataques a gado, ou em conflito com matilhas de cães assilvestrados.
Não se vislumbra nas medidas enumeradas pelo presente Programa o reforço do corpo de vigilantes da Natureza nem a valorização da sua carreira. É imperativa uma maior presença dos técnicos e vigilantes da Natureza nos territórios. Repetimos que é urgente valorizar e requalificar a carreira do vigilante da Natureza, aumentar os salários e contratar um muito maior número para que haja condições por um lado, para repor o corpo que se está a reformar e ao mesmo tempo, por outro, aumentar efetivamente o número de vigilantes em plenas funções.
A fragmentação dos habitats do Lobo e das alcateias, continua a ser apontada como uma das principais causas para o seu declínio ou extinção, mas continua a ser ignorada pelos projetos de grandes vias rodoviárias, de “Transição Energética” ou parques eólicos, barragens, minas entre tantos outros que se planeiam para os territórios do Lobo e que o cercam cada vez mais. A importância de preservar esta espécie em extinção e os habitats não tem tido força para travar estes projetos, que já sabemos constituem causa da diminuição da espécie no território. Não são só os projetos já implantados no território, são os inúmeros projetos na calha para avançar, como o Parque Eólico de Arcos de Valdevez, a mina do Barroso e outras minas, entre tantos outros.
O repovoamento dos territórios com corças (principal presa) continua a ser apontado como uma medida estruturante. No entanto esse repovoamento continua a não ser suficiente. Há mais de 20 anos que se fala nesta necessidade, qual é a garantia de que agora é que será implementada com sucesso?
Por outro lado, presas como o javali ou o veado vermelho, que neste momento em Portugal constituem um problema de diversa ordem pelo crescimento descontrolado das suas populações, são presas habituais e frequentes para o Lobo, e no entanto não têm conseguido atrair o Lobo para esses territórios. Não será apenas uma questão de disponibilidade de alimento, mas condições para se conseguir mover no território sem ser ameaçado.
O conflito entre Lobo e criadores de gado ou pastores, há muito apontado como preocupante, continua sem uma resposta adequada, seja pela falta de apoio ou de pagamentos atempados ou adequados das indemnizações devido aos ataques do Lobo, seja pela falta de técnicos e vigilantes no terreno que acompanhem, esclareçam e ajudem os criadores de gado. Tal como, o facto de a plataforma online para registo dos ataques de Lobo não cumprir as necessidades do pastor ou por gerar dificuldade para pessoas mais idosas. Questões que podem ser ultrapassadas com uma maior presença no terreno dos técnicos do ICNF.
O Lobo não pode ser inimigo do pastor e do gado e o pastor ou criador de gado não pode ser inimigo do Lobo. Para tal, é fundamental que os mecanismos e serviços, nas diversas vertentes, funcionem. Não podemos aceitar que há menos ataques ou diminuem os conflitos porque há menos pastores. Um Mundo Rural que queremos vivo não se compadece com a extinção dos agricultores ou criadores de gado.
Só existe mundo Rural vivo, com agricultores, com criadores de gado, com pessoas a viver nos territórios. Esse mundo rural deve ser apoiado e vivificado. Não são apenas as compensações pelos ataques de Lobo que muitas vezes tardam ou não se conseguem provar, que ajudam a atenuar o conflito ou que mantêm o mundo rural. São fundamentais infraestruturas comunitárias que melhorem a qualidade de vida das populações rurais, é fundamental que seja valorizada a atividade pastorícia como prática agrícola que deve ser reativada, para a proteção dos animais de produção e contribuindo para a limpeza de terrenos que ajuda, inequivocamente, na prevenção dos fogos florestais. É urgente que se criem condições para a fixação das gentes nos territórios.
A presença de técnicos do ICNF no terreno é vital para formação dos próprios agricultores, divulgação das atividades e condicionantes da conservação da natureza, para apoio nas diversas tarefas, seja com os cães de gado ou edificação de vedações onde se justifique. É fundamental para que as populações também possam acompanhar a dinâmica das alcateias, nomeadamente sejam informadas das épocas de reprodução do Lobo e sensibilizadas para a proteção da espécie como parte fundamental do equilíbrio do ecossistema.
O facto de se terem extinguido as direções das áreas protegidas e de alterar o paradigma da gestão das áreas protegidas para um modelo de co-gestão, fundamentalmente transferindo para as autarquias essa responsabilidade, num processo de municipalização de serviços públicos da administração central do Estado, cada vez mais virada para uma potenciação económica dos espaços, não contribui para a conservação da Natureza e das Espécies. Este processo tem de ser revertido o quanto antes.
Não há uma referência à fundamental e necessária cooperação com o Governo de Espanha, nomeadamente com as regiões onde o Lobo ainda persiste, sendo que além fronteira é considerada uma espécie cinegética e com o impacto que isso tem, porque o Lobo não conhece fronteiras.
A preservação dos grandes carnívoros é fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas. Resistir às pressões de determinados setores que continuam a defender a perseguição ao Lobo é fundamental. Nomeadamente pressionar a Comissão Europeia para que o Lobo mantenha um estatuto de proteção relevante.
Partido Ecologista Os Verdes
17 de setembro de 2025
